Introdução
Desde 1982 que sou treinador de atletas de desportos individuais, como a Esgrima, o Pentatlo Moderno e o Atletismo. A maior parte destes 20 anos treinei atletas de alta competição, tendo preparado atletas para grandes competições internacionais, como os Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), Seoul (1988), Barcelona (1992) e Atlanta (1996).
Ao longo destes anos fui verificando que o treino físico, técnico e tático, prepara os atletas para um determinado nível de rendimento, mas este nível pode variar bastante em competição, conforme a competência psicológica dos atletas para lidarem com o stress e a ansiedade gerados pela própria competição.
Nas eliminatórias de 800 metros dos Jogos de Barcelona vivi o momento mais dececionante da minha carreira de treinador. Acompanhei o António Abrantes (que estava na melhor forma desportiva de sempre – forma física) até à câmara de chamada, onde o deixei com elevados níveis de auto-confiança. Trinta minutos depois, vejo-o entrar na pista de cabeça baixa, já derrotado. Nessa prova fez o pior resultado da sua carreira. O que aconteceu naqueles 30 minutos em que o atleta ficou sozinho com as suas expectativas, os seus sonhos, os seus medos e que deitou por terra quatro anos de treino, estava naquela altura fora do meu controle. E não devia estar.
A maior parte dos treinadores tem poucos ou nenhuns conhecimentos de psicologia desportiva. A nossa intervenção a nível psicológico junto dos atletas baseia-se na grande maioria das vezes na nossa intuição e nossa sensibilidade para lidarmos com determinada situação, mas não estamos de forma nenhuma munidos de instrumentos técnicos que nos permitam uma intervenção adequada a cada situação.
Dominamos os conteúdos do treino físico e da aprendizagem técnica, somos especialistas no planeamento e controlo do treino, muitas vezes temos alguns conhecimentos na área da nutrição e da recuperação, e depois somos meros curiosos relativamente ao acompanhamento psicológico dos atletas.
Se pensarmos um pouco mais nisto, temos que concluir que é estranho, pois a maioria dos fracassos desportivos é explicada pela dificuldade em controlar as emoções negativas, como a ansiedade e o stress que são considerados fatores perturbadores que prejudicam o rendimento dos atletas.
Contudo, a ansiedade e o stress pré-competitivo podem ter efeitos positivos no rendimento desportivo, pois tal como as competências motoras, também as competências de controlo do stress e da ansiedade, assumem um importante papel na preparação psicológica do atleta.
Resumo de um estudo sobre Ansiedade Pré-Competitiva
Sobre este tema fizémos um resumo de um estudo deHoward K. Hall, Alistair W. Kerr & Julie Matthews, “Precompetitive Anxiety in Sport: The contribution of Achievement and Perfectionism”, que foi publicado em 1998 no Journal of Sport & Exercice Psychology, nº 20.
Vários estudos mostram que os níveis de ansiedade pré-competitiva são influenciados pela orientação dos objectivos desportivos e pelos níveis de perfeccionismo revelados. Os autores deste estudo utilizaram o modelo proposto por Smith (1996) com o objectivo de verificarem a existência de relações entre perfeccionismo, objectivos desportivos e o estado de ansiedade cognitiva e somática.
Este estudo procura
analisar a evolução dos níveis de ansiedade pré-competitiva, determinando os motivos e/ou os factores que promovem essa ansiedade. Por outro lado, procura também analisar a relação entre o estado de ansiedade e os objectivos pessoais e de tarefa e o perfeccionismo.
Podemos pois dizer que este estudo tem 3 grandes objetivos:
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Determinar a influência que os objectivos desportivos e as dimensões do perfeccionismo têm no estado de ansiedade pré-competitiva.
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Determinar até que ponto os objectivos pessoais acerca do resultado influenciam as diferenças individuais relativas ao perfeccionismo na ansiedade.
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Determinar a relação entre os objectivos pessoais e de tarefa e o perfeccionismo.
Neste estudo foram analisados 119 atletas universitários (74 do sexo feminino e 45 do sexo masculino) com uma média de 14 anos.Todos os participantes responderam a diversos questionários em quatro ocasiões diferentes antes de uma competição de corta mato:
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uma semana antes da competição;
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dois dias antes da competição;
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um dia antes da competição;
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30 minutos antes da competição.
Os questionários foram aplicados por um dos investigadores recorrendo às instruções recomendadas por Martens et al. (1990), e Jones, Swain, & Cale (1991).
O questionários utilizados foram os seguintes:
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O CSAI-2 foi utilizado para avaliar as três dimensões do estado de ansiedade pré-competitiva: ansiedade cognitiva, ansiedade somática e auto-confiança.
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O MPS foi utilizado para avaliar o grau de perfeccionismo.
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O POSQ foi utilizado para determinar a predisposição individual para direcionar o sucesso desportivo para objetivos centrados na tarefa ou para objetivos pessoais.
Depois foi feita uma análise dos resultados recorrendo a duas técnicas estatísticas:
As Regressões Lineares Múltiplas para determinar de que forma se relacionam as orientações do sucesso e o perfeccionismo para predizer o estado de ansiedade.
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A ANOVA para determinar se os objetivos pessoais relativos ao resultado influenciam os níveis de ansiedade e se correspondem a um perfeccionismo.
Os principais resultados deste estudo foram os seguintes:
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Conforme se aproxima o momento da competição, aumentam os níveis de ansiedade e diminuem os níveis de auto-confiança.
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Através da “Regressão Linear Múltipla” concluiu-se que o perfeccionismo serve para predizer de forma significativa a ansiedade nos quatro períodos pré-competitivos.
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No período de 30 minutos antes da competição, a orientação para objetivos pessoais e o perfeccionismo contribuem em exclusividade para predizer a ansiedade cognitiva.
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Por outro lado, o conhecimento dos atletas sobre as suas próprias capacidades e o facto de terem objetivos orientados para uma determinada tarefa contribuem para predizer a auto-confiança.
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Os objetivos desportivos não apresentam resultados significativos relativamente às várias dimensões avaliadas pelos questionários, com excepção do questionário POSQ adaptado, que foi utilizado nos 30 minutos antes da competição. Aí, os objetivos desportivos já contribuem de forma significativa para predizer a ansiedade cognitiva, assim como os objectivos orientados para a tarefa contribuem significativamente para predizer a auto-confiança.
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Os resultados da ANOVA permitiram verificar uma interação significativa entre o perfeccionismo nos quatro momentos de avaliação. Os sujeitos com maiores níveis de perfeccionismo também apresentam maiores níveis de ansiedade cognitiva.
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A relação entre os objetivos desportivos e as várias dimensões do perfeccionismo, apresenta uma correlação moderada (r = .38).
Podemos pois dizer que os resultados deste estudo mostram que há mudanças no estado de ansiedade no período de sete dias antes da competição, e que a ansiedade cognitiva foi consistentemente predita pelos resultados do perfeccionismo.
Também podemos afirmar que os objetivos pessoais têm uma significativa contribuição para predizer a ansiedade cognitiva, quando avaliados imediatamente antes da competição.
A ansiedade reflete normalmente uma interpretação cognitiva da situação, que pode ser alterada ao mesmo tempo que se vai alterando a perceção da ameaça. Fazendo uma ponte para o caso do desporto, podemos dizer que o atleta altera a sua interpretação da situação conforme a importância que a competição representa para si próprio e também conforme avalia as suas capacidades para enfrentar as exigências específicas de cada competição.
Esta investigação mostra que o aumento da ansiedade cognitiva e o decréscimo da auto-confiança refletem as alterações na perceção de ameaça.
Conclusões finais
Da análise deste estudo, percebe-se nitidamente que a situação competitiva implica sempre um aumento dos níveis de ansiedade e do stress, cujos efeitos alteram o rendimento competitivo, normalmente prejudicando o sucesso desportivo, embora em certos casos, de atletas com elevadas competências psicológicas, a ansiedade e o stress pré-competitivo podem ter efeitos positivos na prestação desportiva. Tal como afirma Mahoney & Meyers, 1989 (in Cruz, 1996), “os atletas de maior sucesso parecem ter “aprendido a regular, tolerar e utilizar a sua ansiedade” de forma mais eficaz” .
Podemos pois afirmar que há enormes vantagens, principalmente ao nível da alta competição, para a implementação de programas de treino de competências do controle do stress e da ansiedade, paralelamente e inter-relacionado com o treino físico, técnico e tático.
O estudo mostra que o estado de ansiedade sofre alterações nos sete dias antes de uma competição, contribuindo para isso os objetivos pessoais de cada atleta, ou seja, a ansiedade reflete uma interpretação cognitiva da situação competitiva, que se modifica conforme se altera a perceção da ameaça. Em atletas de alta competição, com elevadas competências psicológicas, a auto-confiança é maior e logicamente a perceção da ameaça mais reduzida, ou seja, os atletas sentem uma maior competência para fazer face aos objetivos específicos da competição.
[ Professor João Abrantes ]
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